Skyline de Nova Iorque visto a partir do C-Lab



Hugo Oliveira

Viu baleias, Heisenberg?

C-LAB, criação e transmissão

O vento caiu de repente, o céu começou a ficar carregado, e eles estavam no meio de uma tempestade, sem comida nem água. Werner Heisenberg e Niel Bohr, ambos prémios Nobel, faziam parte da tripulação de um barco no mar Báltico. Para eles, estas viagens ofereciam uma boa oportunidade de ter conversas sérias acerca de assuntos triviais. Perguntaram a Heisenberg se tinha visto alguma baleia enquanto procurava encontrar as luzes de algum navio. Teria ele visto baleias? “Não vejo nada a não ser baleias, ainda que algumas delas possam ser nada mais do que grandes ondas.” Naquela noite escura, talvez não fosse claro que a maior ameaça pudesse ser essa, tão óbvia como uma baleia, em vez de qualquer objecto iluminado. Na verdade, o cientista não confiava muito naquilo que via. Numa realidade tão obscura, até avistar um mamífero colossal pode ser ambíguo.

Como seres humanos, estamos interessados em saber a verdade. A realidade, e o modo como a entendemos, tem sido um assunto de discussão durante muitos séculos. De Aristóteles a Wittgenstein, da Alice no País das Maravilhas de Lewis Carrol até ao Matrix dos irmãos Warchowski. É importante ter em consideração, apesar de nos ser dito que a verdade está à espera de ser caçada, somos nós que a criamos. Somos nós que a criamos.

Como escreveu o filósofo americano Richard Rorty, “a sugestão de que a verdade, tal como o mundo, está algures por aí é o testemunho de uma época que viu o mundo como resultado da criação de um ser com uma linguagem própria. O mundo não fala. Somos nós que falamos. O mundo pode criar crenças em nós, depois de o termos programado como linguagem. Mas não nos pode dar uma linguagem para falarmos. Só outros seres humanos podem fazer isso”.

Grupos como o C-LAB (Columbia Laboratory for Architectural Broadcasting) são importantes para criar uma verdade. Esta verdade pode ser tão criativa como qualquer outra invenção imaginada por seres humanos. E as cidades alimentam a imaginação. Com sede em Nova Iorque, a cidade com maior diversidade de línguas no mundo, o C-LAB beneficia dessa circunstância. Enquanto laboratório autónomo da GSAPP (Graduate School of Architecture, Planning and Preservation at Columbia University), o seu objectivo é investigar o modo como os arquitectos usaram a linguagem para exprimir pensamentos no passado, e como poderemos no presente disseminar ideias novas a um público mais abrangente. O C-LAB partilha do ponto de vista da GSAPP quanto à importância que deve ser dada às cidades. Ambos reconhecem que a realidade fora do campus universitário é mais complexa que a sua. “Universidades sérias precisam de ser capazes de se virar para fora”, disse Mark Wigley, director da GSAPP, numa cerimónia realizada neste Outono. De momento, as cidades avançam mais rápido que as universidades. “Porque a cidade é tão complexa e difícil de entender, este é o momento para os arquitectos dedicarem mais tempo a essa tarefa e não desistirem”, defende o director do C-LAB, Jeffrey Inaba. Essa vontade também se exprime em parcerias, como aquela que foi feita com a Audi e que visa novas formas de mobilidade urbana, ou em palestras recentes na Architectural Foundation em Londres, sobre “cidades inteligentes” e sobre o modo como a arquitectura pode ser mais fundamental enquanto os espaços urbanos se tornam mais tecnológicos.

Tudo isto assenta no pressuposto de que a realidade está em mudança constante, razão pela qual, num sentido mais clássico, não se espera que ela suscite respostas inquestionáveis. Um dos sinais mais evidentes disso, no C-LAB, é a revista Volume. Nela, é crucial reflectir e problematizar sobre certos fenómenos. Como diz Mark Wigley: “Não sabemos o que é a arquitectura. Para nós, é uma grande questão. Queremos que os estudantes trabalhem nela, mais do que na sua solução. Deixamos para outras escolas, a tarefa de encontrar respostas.” Para tal, o C-LAB favorece uma abordagem interdisciplinar e resiste ao excesso de especialização.

Ao definirmos um problema, estamos a desenhar o que pode ser o futuro. É um exercício que requer abertura de espírito. Num ambiente complexo, é fundamental ter um panorama mais alargado da realidade e do que podemos pensar dela. Seja no mar Báltico ou em Nova Iorque. Nós, arquitectos, somos especialmente bons nisso. Em observar a realidade e criar novas verdades.

 

Este artigo foi publicado no J-A 249, Jan — Abr 2014, p. 338-339.

Correspondente em Nova Iorque