São Paulo, Itaím Bibi, 2012. Fotografia: André Cepeda



VICTOR CARAMUEL

O negócio é o seguinte

São Paulo é uma cidade colossal e está a crescer no preciso instante em que escrevo esta crónica. Não vou falar aqui das razões do seu crescimento mas apenas relatar uma das formas em que está a acontecer. O negócio é o seguinte: um escritório de projecto, como tantos outros, recebe mais de trezentas e cinquenta e seis consultas por ano de potenciais clientes que querem saber as possibilidades de retorno envolvidas na aquisição de um entre milhares de terrenos transaccionados constantemente na cidade. Como há outros concorrentes na corrida à compra, o escritório consultado tem de responder rápido e de forma certeira, como um relâmpago. Em menos de uma semana os seus departamentos de apreciação de condicionantes legais aplicáveis e de elaboração preliminar de dimensionamentos concluem qual a área máxima de construção, quais as tipologias e qual a forma, o volume e a imagem que a torre de 10, 15, 20 pisos poderá ter, e que preço terá. Em menos de uma semana o escritório calcula áreas, custos e fabrica imagens para convencer o possível investidor. Se ele ficar satisfeito com os números e com a imagem do prédio virtual, tentará fechar a aquisição do terreno por um valor que considere seguro para gerar lucro.

Até aqui o escritório participa por sua conta e risco e não faz mais do que os seus concorrentes directos: põe a sua máquina em funcionamento e corre atrás de uma oportunidade que, por força, só terá um vencedor. Se a compra do terreno se consumar, o escritório ganha direito ao desenvolvimento do produto imobiliário. Terá agora de fechar em muito pouco tempo um projecto de licenciamento em que não poderá defraudar as expectativas do investidor: os metros quadrados de construção, as tipologias, as facilities, as imagens das fachadas, o custo e todas as promessas iniciais definem com rigor o produto comercial em que o investidor decidiu apostar. Cabe agora ao escritório demonstrar o seu profissionalismo viabilizando a proposta junto das entidades apreciadoras da Prefeitura, respeitando as leis e os regulamentos, e sem recuar nas expectativas geradas. O escritório não pode desperdiçar tempo neste processo, porque tempo é dinheiro, porque os juros dos financiamentos ameaçam as margens de lucro e porque dinheiro parado é dinheiro a desvalorizar. Quinze ou vinte dias depois de o terreno ter sido adquirido, o projecto de licenciamento está a ser submetido à Prefeitura. Ao contrário do escritório, a Prefeitura levará o tempo que levar para emitir uma licença de construção, e o cliente espera começar a obra no dia seguinte à autorização. Só o poderá fazer se, entretanto, o escritório tiver preparado os projectos de obra de acordo com os parâmetros orçamentais definidos na primeira semana. Enquanto o pedido de licenciamento aguarda na Prefeitura, uma equipa específica do escritório elabora um projecto pré-executivo, antecipando as decisões técnicas e materiais que irão erguer a obra. O cliente avalia essas opções de um ponto de vista económico e informa se o escritório está, ou não, no caminho certo. Nesta simulação também não há margem para erros ou arrependimentos, porque o mercado não se compadece com a súbita subida do valor de venda do produto gerada por hesitações ou mudanças de opinião do escritório projectista. Uma hesitação, ou expectativa gorada, seria o descrédito no mercado de todos os envolvidos. Com o pré-executivo concluído e aprovado, o investidor já tem como celebrar contratos-promessa de venda. O projecto executivo final é flexível e define generalidades de maneira a permitir ao construtor a introdução das suas contribuições e preferências.

A pressão imposta pelo mercado imobiliário define a própria gestão dos escritórios projectistas que nele actuam. Neste mercado acelerado, estes escritórios altamente especializados não prosperam pela remuneração elevada de poucos trabalhos, mas sim no somatório de remuneração de dezenas de trabalhos simultâneos, e isto representa centenas de milhares de metros quadrados de construção anual. Um trabalho não pode permanecer no escritório mais do que o tempo estritamente necessário, para que não impeça a entrada de outros trabalhos. As equipas estão montadas para a produção fulminante. Para se reduzirem os custos de produção, de forma a serem assegurados maiores lucros, os escritórios subcontratam com frequência outras empresas para finalizar os seus projectos, muitas vezes em cidades ou países onde o custo do trabalho é mais baixo.

Assim se conduz e conclui a obra de uma, entre muitas, torres. Ou seja, em apenas duas semanas decide-se, grosso modo, a forma e o impacto urbano de um novo edifício de 20 ou 30 pisos. Estes produtos imobiliários categorizam-se, genericamente, por médio ou alto “padrão” e, quase sem excepções, retiram-se da participação na rua através de gradeamentos e controlos de acesso com portarias e guardas. Estas torres coexistem mudas entre si. O seu desempenho urbano resulta de um fabrico autocentrado e focado na distinção da sua vizinhança.

Em São Paulo, neste momento, centenas de gruas giram sobre os seus eixos. Diariamente, dão-se dois passos em frente, nenhum à retaguarda.

 

Daqui a alguns meses uma nova viagem me levará a Manhattan e aos Estados Unidos. Sinto-me apreensivo ao enfrentar o campo do trabalho árduo, as terras da seleção na violência dos negócios, os lugares alucinantes da produção desenfreada. [...] Os senhores, na América do Sul, estão numa região velha e jovem; são povos jovens e suas raças são velhas, é seu destino agir agora. Agirão sob o signo despótico do hard labour? Faço votos de que isto não aconteça, os senhores agirão como latinos que sabem ordenar, organizar, apreciar, medir, julgar e sorrir.

Le Corbusier, Corolário brasileiro in

Precisões sobre um Estado Presente da Arquitetura e do Urbanismo

Este artigo foi publicado no J-A 246, Jan — Abr 2013, p. 84-85.

Correspondente em São Paulo