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Preparação dos fogos de habitação para implosão da torre 4



Paulo Moreira / Mariana Pestana (texto) / Nelson D’Aires (fotografia)

‘Aleixo sempre’

Demolição do Bairro do Aleixo.
Projecto de Restradas com Delair CFD


A demolição das torres que compõem o conjunto do Bairro do Aleixo, propriedade da Câmara Municipal do Porto, está concluída a 40%: dois dos cinco edifícios já desapareceram. Os edifícios faziam parte de um conjunto de habitação na freguesia de Lordelo do Ouro, inaugurado em 1976, com vista sobre o rio Douro. O projecto de demolição, para além da sua complexidade técnica, tem uma forte dimensão política e social. Em que ponto estão os trabalhos de preparação da construção de um novo complexo imobiliário no Aleixo?

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RIOTRONIC DT, QUE ESTRONDO!

Riotronic DT é o nome de uma consola de disparo versátil, que pode ser utilizada para detonar túneis, pedreiras, ou edifícios. Em duas sextas-feiras, a consola activou a implosão das torres 5 e 4 do Bairro do Aleixo. O botão foi premido pelo engenheiro francês Yannick Bleuzen, especialista em explosivos e dispositivos de disparo. Tal tarefa ter-lhe-á sido confiada não só pela sua capacidade de programar a complexa máquina de disparo, mas também pela relação de amizade que mantém com Patrick Villard, especialista em implosões e director da Delair CFD, parceira da empresa contratada para proceder ao projecto de demolição do Aleixo, Restradas – Revitalização de Estradas do Norte, Lda., por sua vez contratada pelo Fundo Especial de Investimento Imobiliário (FEII), criado com vista à requalificação da zona. Em ambos os eventos de implosão das torres 5 e 4, Patrick Villard e Yannick Bleuzen viajaram propositadamente até Portugal, tendo a este último cabido a missão de programar a consola: às 11h45 de 16 de Dezembro de 2011 (torre 5) e às 11h14 de 12 de Abril de 2012 (torre 4), activou sucessivamente o teste, a detonação dos explosivos nas piscinas (cuja água amenizaria os efeitos da poeira) e, finalmente, os explosivos colocados no interior do edifício. A precisão das implosões foi tal que a página de Internet americana Demolition News descreveu a operação como “a successful blast” (um êxito estrondoso): “A rua adjacente ao prédio foi reaberta poucos segundos após a explosão, sem necessidade de varrição ou limpeza adicionais.”

CONCEPÇÃO E APROPRIAÇÃO DAS TORRES

O Grupo de Moradias Populares do Aleixo foi inicialmente projectado em 1968 pela Repartição de Construção de Casas da Câmara Municipal do Porto, com autoria do arquitecto Manuel Teles, com o intuito de realojar 320 famílias abrangidas pelas demolições da Ribeira-Barredo, na zona histórica do Porto, totalizando 1720 habitantes. O projecto seguia o Plano de Urbanização de Robert Auzelle, que propunha a construção de cinco torres, em detrimento de soluções de igual densidade mas com menor cércea. O arquitecto, mesmo não defendendo aquela solução (mais tarde terá renegado a autoria do projecto), procurou adaptar o modelo de torre ao modo de vida da população, tal como explicou na memória descritiva do projecto:

A solução em altura adoptada responde a um problema económico de aproveitamento do terreno e implica condições de vida muito próximas das arreigadas nos seus futuros ocupantes, tendo havido o cuidado de reforçar este aspecto por judiciosa concepção do conjunto das galerias, das caixas de escadas e dos elevadores, ainda que, diga-se de passagem, com algum sacrifício do custo da obra.

No detalhe do projecto para construção sucederam-se conflitos entre o arquitecto e a Câmara Municipal do Porto (CMP): as galerias de distribuição foram reduzidas, o conjunto de equipamentos sociais que unia três torres no piso térreo foi suprimido, a dimensão das janelas foi diminuída, o revestimento exterior foi alterado e as canalizações de água quente e chuveiro consideradas desnecessárias.

Apesar disso, a ocupação do bairro trouxe uma espécie de horizontalização do esquema de habitação vertical, devido ao uso e apropriação das escadarias, patamares, galerias e vão central, criando-se jardins, pequenas cercas, zonas de convívio e estendais de roupa. Esta apropriação contribuiu para a criação de um espírito de vizinhança pouco comum em edifícios de habitação colectiva. As próprias portas de entrada nas torres foram retiradas, garantindo uma relação mais fluida entre a casa e a rua.

Independentemente do êxito eventual na apropriação das torres, o processo de ocupação envolveu alguma tensão entre autoridades e moradores (quer daqueles que preferiam ter permanecido na sua zona de origem, quer dos que ocuparam indevidamente uma parte dos apartamentos). “Foi uma confusão”, lembrou uma moradora da torre 3. Essa “confusão” terá estado na origem de problemas sociais que surgiram mais tarde, problemas que justificaram a opção de demolição.

RAÍZES DO PROBLEMA

O modelo de urbanização do Aleixo implicou a transferência de populações desfavorecidas para uma zona afastada do centro da cidade, acentuando diferenças sociais. Luís Fernandes, investigador que se interessa pelo Aleixo desde 1990, defende que o problema surgiu no momento da concepção: “Um bairro pode nascer melhor ou pior. No caso do Aleixo, o bairro nasceu torto devido a uma dinâmica urbana de transferência populacional que foi violenta, no sentido em que foi feita nas costas das pessoas. É muito violento desapropriarem-nos do nosso território primário, que é a casa. As pessoas foram para ali a contragosto e muitas nunca se adaptaram.” Concordando que a mesma estratégia de transferência de população tinha estado na génese de outros bairros, o investigador invoca as características da sua relação com a malha urbana circundante como possível origem dos problemas sociais: “É um lugar de difícil controlo, uma espécie de fortificação. Ao ser uma fractura com o envoltório urbano, torna-se muito fácil sinalizar a aproximação de forasteiros, o que é óptimo quando se está a trabalhar num negócio clandestino.” Além dessas características territoriais, a segregação social do Aleixo foi potenciada pela conjuntura económica, como explica Luís Fernandes: “A desindustrialização levou a que os bairros em geral – e o Aleixo é um caso agudo – entrassem numa certa agonia económica. Grande parte da população trabalhava em unidades fabris existentes em Lordelo ou freguesias vizinhas e no porto de Leixões, mas com o fecho destas indústrias e com a automação do porto houve a dispensa de muitos trabalhadores, o desemprego foi crescendo. Em meados dos anos 90, a taxa de desemprego no Aleixo era de 30%, quando a do país não chegava a 6%. Isto fez que pessoas em situação de sofrimento económico aceitassem desempenhar papéis de risco em economias subterrâneas, como o mercado da droga.”

COMPROMISSO DE NÃO DEMOLIR

Em 2000, o engenheiro Nuno Cardoso, então presidente da CMP, sugeriu a possibilidade de eliminação do Bairro do Aleixo, invocando a necessidade de melhorar as condições de habitabilidade dos moradores. Estes, alarmados perante os rumores, pediram explicações à autarquia, tendo recebido uma carta, assinada pelo presidente, a 14 de Abril de 2000, esclarecendo sobre a sua posição:

Só se avançará com essa ideia desde que seja possível ir construindo e transferindo os moradores, sem que estes tenham de sair do local (isto é, constroem-se as casas novas, transferem-se os moradores e só depois se deitam as outras casas abaixo). (…) Em todo este processo os moradores do Aleixo serão sempre ouvidos, pelo que ninguém sairá do Aleixo se não quiser.

A polémica estava instalada. A poucos meses das eleições autárquicas de 2001, o candidato Rui Rio manifestou-se contra a solução de demolição. A 15 de Maio, Rio dirigiu- -se ao Aleixo para garantir sem rodeios que essa não lhe parecia ser a melhor solução. “E o senhor vai-nos ajudar, se for eleito, ou também vai mandar demolir?” Perante a questão de Rosa do Aleixo, na época presidente da Associação de Moradores, Rio frisou que não iria demolir o bairro, sobretudo porque o que comandaria as suas decisões seria “o interesse dos moradores”.

Esta posição levou a Associação de Moradores a apoiar o candidato na sua eleição. Esta “bandeira eleitoral” ganhou maior significado quando, a 20 de Fevereiro de 2002, Rio escolheu o Aleixo como destino de uma das primeiras visitas na condição de presidente. Na ocasião, reiterou que o bairro seria recuperado e não demolido, e que nada seria feito contra a vontade dos moradores. Estes pediram-lhe que a promessa fosse oficializada, tendo sido enviada uma carta no dia seguinte, assinada pelo então vice-presidente e vereador do urbanismo, Paulo Morais:

Na sequência da reunião do passado dia 20 de Fevereiro, com o Senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr. Rui Rio, vimos reafirmar o compromisso, que então assumimos, de que não haverá lugar a quaisquer alterações, nomeadamente demolições, no Bairro do Aleixo, contra a vontade dos seus moradores.

Paulo Morais, actualmente vice-presidente da Associação Cívica Transparência e Integridade, reafirmou que, enquanto esteve na CMP, de onde saiu em 2005 em ruptura com Rui Rio, o que estava escrito na carta foi cumprido.

MUDANÇA DE PLANO

Mas a ameaça de demolição pairava no ar. Em 2007, a Associação de Moradores entregou um abaixo-assinado na CMP apelando à permanência do bairro. Juntamente com o pedido, anexou um referendo realizado nas cinco torres, com a participação de 305 famílias. Os resultados do referendo eram claros sobre a vontade da população: 209 contra a demolição; 13 favoráveis; 83 moradores não responderam. Mas porque é que “a vontade dos moradores” deixou de ser ouvida? O que mudou?

A direcção Municipal de Urbanismo da CMP desenvolveu um estudo, ao qual o J–A não teve acesso, apresentando três hipóteses para reabilitar o Aleixo, mantendo duas, uma ou zero torres (a hipótese de manter todas as torres não foi equacionada). Segundo informou o arquitecto João Pestana, que trabalhou no referido estudo, tratou-se de um “trabalho exaustivo de pesquisa, considerando diferentes possibilidades para cada um dos três cenários. Em cada caso, contabilizava-se a área bruta e ensaiavam-se hipóteses com x casas unifamiliares, ou x blocos de 5, 6, 12 ou 20 pisos”. O objectivo do estudo era, perante a legislação em vigor, perceber o que poderia ser feito (apesar de não ponderar a manutenção de todas as torres, o estudo técnico teve em consideração um trabalho académico da arquitecta Ana Lima, que propunha a não-demolição). “E o que fazer às pessoas?” – perguntou-se. “Acredito que manter as pessoas seria um pouco difícil.” O estudo da CMP não incluiu a consulta aos moradores, embora essa fosse “uma experiência que algures podia ser tentada”, admitiu João Pestana. “Mas ali é difícil, ninguém lá entra…”

Mas há quem entre no Aleixo. O bairro tem atraído profissionais e investigadores de diversos ramos, entre eles Luís Vieira Campos (que realizou um filme com a participação de actores e figurantes moradores no bairro). Luís interessou-se por fazer “algo que registasse aquele local sem ser um documentário”. Com um argumento do escritor Valter Hugo Mãe, o enredo gravita em torno da verticalidade das torres. Contrariando a ideia de que “não há condições para entrar no Aleixo”, o realizador afirma que sempre foi bem recebido e nunca teve problemas no bairro: “Às vezes deixávamos os carros abertos, com equipamento, carteiras abertas, e nunca desapareceu nada. É uma questão de criar um pacto, uma empatia com as pessoas.” Pelo contrário, sentiu entraves por parte de algumas instituições externas ligadas ao bairro, que até lhe chegaram a dizer que “podia filmar em qualquer bairro, menos no Aleixo”.

REABILITAÇÃO OU RENOVAÇÃO URBANA?

A 22 de Julho de 2008, a CMP lançou um concurso público de subscrição particular com vista à constituição de um Fundo Especial de Investimento Imobiliário (FEII), que exercesse a propriedade dos prédios e terrenos que constituem o Bairro do Aleixo. O documento enquadrava a operação no “Regime Extraordinário de Apoio à Reabilitação Urbana”, que atribui incentivos fiscais (por exemplo, tributação à taxa reduzida de IVA das empreitadas, isenção de IRC sobre os rendimentos respeitantes a unidades de participação do fundo, isenção do IMI até dez anos). Esta classificação pode considerar-se polémica, sobretudo pela interpretação que faz da noção de reabilitação urbana. Reabilitar implica preservar e melhorar as condições de um edifício, algo que nos parece distinto da demolição total das torres e da construção de edifícios novos que não servem para realojar a população existente.

À margem desta questão, o concurso prosseguiu e teve apenas uma proposta, apresentada pelo consórcio Invesurb, liderado pelo Grupo Espírito Santo. O FEII foi constituído em 15 de Novembro de 2010, com sede em Lisboa. O seu regulamento de gestão confirmava a controvérsia:

O FUNDO tem como objectivo principal a promoção imobiliária dos terrenos sitos na freguesia de Lordelo do Ouro, Porto, conhecidos por Bairro do Aleixo e classificados como “Área de Reabilitação Urbana” (…). Para além das normais actividades da promoção imobiliária que incluem o desenvolvimento de projectos de construção, o FUNDO promoverá a construção e a reabilitação de edifícios que lhe sejam indicados pelo município do Porto, constituindo estas obras de construção e de reabilitação a contrapartida da aquisição dos terrenos acima referidos.

ALEIXO POR DENTRO E PARA FORA

Dona Maria, mais conhecida como “Maria da Ribeira”, mora na torre 2 desde 1976. Vive sozinha num T4, depois de ter ficado viúva e de ter criado filhos e netos em casa. No início dos anos 2000, quando parecia que a demolição tinha sido posta de parte, pediu um empréstimo ao banco para fazer obras em casa: “Pus tectos falsos, casa de banho com cabine, tudo impecável…” Diz sentir-se enganada por estar a pagar por algo que será destruído: “Se calhar vou estar ainda a pagar quando já nem sequer existir casa.” Passa o tempo na companhia de outros idosos – “cada vez menos” –, no Centro de Dia situado no piso térreo da torre 2. Alguns deles já não moram no bairro, mas mantêm a rotina de passar ali o dia na companhia de amigos. Os equipamentos ainda em uso incluem um ATL para crianças na torre 3 e um café no lado nascente (a escola primária foi desactivada no segundo mandato de Rui Rio).

Em conversa com as irmãs Neta e Maria João, moradoras na torre 3 desde 1976, nota-se um grande desânimo e conformação em relação ao seu destino. Se até ao final de 2011 tinham esperança em permanecer no bairro – sentiram até ao último momento que a luta contra a demolição iria resultar –, com a queda da torre 5 essa esperança desmoronou-se. A revolta expressa no momento da primeira implosão (que coincidiu com o dia do 10.º aniversário da primeira vitória eleitoral de Rui Rio), foi substituída pela apatia em relação à demolição da torre 4.

A incerteza é grande e a informação é escassa. Ouvem-se histórias de desencanto daqueles que já partiram para os bairros do Cerco, Pasteleira Nova, Pinheiro Torres: “os novos supermercados da droga”, diz-se. Mas a contrapartida do acordo do FEII não era a “construção e a reabilitação de edifícios”?

Numa fase de mudança do executivo municipal, as respostas da empresa camarária responsável pela gestão do processo de realojamento, Domus Social, têm sido muito cautelosas. Foi-nos indicado que há atrasos na reabilitação e construção dos fogos previstos para realojamento dos habitantes do Bairro do Aleixo, que estão a ser transferidos para outros edifícios camarários. Ao que parece, os novos fogos originalmente destinados à população oriunda do Aleixo servirão para realojamento de outras famílias, elegíveis para residir em habitação social.

Em todo o caso, torna-se claro que a demolição do Aleixo não vai resolver o problema do tráfico. “Isso foi um álibi que a Câmara utilizou para libertar aqueles terrenos, e para se livrar da gestão de um bairro que já era um caso complicado há muitos anos”, afirma Luís Fernandes. “Aliás, se a causa da demolição fosse a droga, porque é que começaram pelas torres que não tinham problemas de drogas e não pela torre 1?” O facto é que, ao que parece, até à própria polícia interessa ter o problema localizado. Fonte da Polícia de Segurança Pública confirma que “é melhor ter o problema concentrado: na torre 1 vende-se e na torre 2 armazena-se; diluir o tráfico não é uma boa estratégia”.

ALTERNATIVAS

Das possíveis soluções para o caso do Aleixo, a escolhida acabou por ser a mais drástica. “A opção é política, não técnica”, constatou João Pestana. Será que a decisão de demolir as torres foi a melhor opção? E será irreversível?

Procuraram ouvir-se algumas vozes. Paulo Morais aceita o cenário da demolição, mas é muito crítico sobre a estratégia encontrada pela CMP: “Pegar na malta do Aleixo para traficar solos, acho uma má atitude. Admitindo que se teria de fazer alguma coisa, não havia necessidade de envolver privados.” No entender do ex-autarca, teria sido possível realojar os moradores com apenas 1% do orçamento da CMP, “cerca de 7 milhões de euros durante cinco anos, ao abrigo do programa Prohabita”.

Luís Fernandes defende uma solução intermédia: “Eu nunca disse que não se devia demolir o Aleixo, disse sempre: ‘perguntem a quem lá está’. Ou então cabia à Câmara demonstrar que era inviável manter as torres. Mesmo assim, defendo que a população devesse continuar no Aleixo, pelo menos parcialmente.” O certo é que provavelmente esta solução agradaria aos próprios habitantes: o referendo realizado pela Associação de Moradores mostrou que 94% das 222 famílias que responderam estavam contra a demolição, portanto presume-se que os restantes 6% sairiam de livre vontade.

E qual a posição dos arquitectos? Nas páginas do J–A (número 237, Outubro-Dezembro 2009), Alexandre Alves Costa queixava-se de que “os arquitectos calam-se, na sua maioria”. Mas, apesar disso, houve testemunhos que se tornaram públicos, a maioria contra a demolição. Num artigo de opinião intitulado “Aleixo ao Desleixo” (jornal Público, 6 de Junho de 2009), Pedro Bandeira dizia: “Defendo, como a arquitecta Ana Lima, uma requalificação do bairro, que envolva a participação dos moradores e o seu direito de pertença, consciente de que, nem o urbanismo, nem a arquitectura resolverão um problema social vasto e complexo.”

É interessante notar que as opiniões dos arquitectos contam (as várias entidades contactadas remetiam para artigos publicados). A proposta da arquitecta Ana Lima (exposta na sua tese de licenciatura, A Metamorfose das Torres do Aleixo, apresentada na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto em 2007) é invariavelmente referida, o que prova o papel que a investigação em arquitectura pode ter junto dos decisores políticos, técnicos responsáveis e sociedade civil. De facto, esse trabalho levantou questões pertinentes, nomeadamente a referência a experiências francesas em curso que ensaiam alternativas à opção de demolição dos grands ensembles, cujo exemplo mais conhecido é hoje a reabilitação da torre Bois-le-Prêtre, projectada pelos arquitectos Frédéric Druot, Anne Lacaton e Jean Philippe Vassal, concluída em 2011.

E AGORA?

O futuro do Bairro do Aleixo pode ainda não estar completamente determinado. O relatório de gestão do FEII, de 19 de Março de 2013, nota que “os capitais próprios do fundo permitem o cumprimento de todas as obrigações já assumidas”, mas ressalva que “a realização da totalidade dos trabalhos previstos, incluindo a construção de novos edifícios para entrega à CMP e a realização de obras de infra-estruturas nos terrenos do Bairro do Aleixo, carecem de adequado financiamento”. Se o fundo não tem financiamento para fazer os trabalhos a que se comprometeu, fará sentido dar continuidade ao projecto de demolição das restantes torres?

O novo executivo da CMP tem tardado em esclarecer a sua posição. Enquanto candidato à presidência, Rui Moreira manifestou a intenção de concluir o projecto de demolição do bairro. Será que o incumprimento do FEII pode fazer mudar esta posição?

Durante a campanha eleitoral, o actual vereador da Habitação e Acção Social da CMP e presidente do conselho de administração da Domus Social, Manuel Pizarro, declarou que se opunha à construção de empreendimentos de luxo nas encostas do Douro e afirmou que, se à data das eleições, o FEII não tivesse honrado os seus compromissos, o novo executivo teria “as mãos livres para qualquer solução”.

O J–A pediu audiências aos vereadores Manuel Pizarro e Manuel Correia Fernandes (vereador do Urbanismo), com o intuito de clarificar a posição do novo executivo. Tais pedidos não foram atendidos a tempo da edição deste número. Contudo, mesmo sem respostas oficiais, as informações que iam sendo recolhidas sugeriam a existência de um debate interno acerca da posição da CMP relativamente à demolição do Bairro do Aleixo. Aguardemos o veredicto final.

 

Este artigo foi publicado no J-A 249, Jan — Abr 2014, p. 282-297.

 

Retiraram-se vidros, caixilharias e outros elementos passíveis de se tornarem projécteis perigosos. Removeram-se paredes divisórias, deixando-se apenas elementos estruturais. Em cada piso, foram distribuídos regularmente pelo chão quinze sacos com 1 m3 de água. Nas paredes e pilares foram feitos dois ou três furos longitudinais (a cerca de 0,60 m e 1,40 m dos pavimentos). Nesses furos, foram colocadas cargas explosivas de aproximadamente 100 gramas/metro linear (cordão detonante). Os elementos resistentes foram envoltos em duas voltas de rede de malha elástica, para proteger os explosivos. Todos esses elementos foram destruídos, sequencialmente, em 3-4 segundos. As cargas explosivas, activadas pelos detonadores electrónicos, operaram em pontos frágeis, destruindo os pisos 0-2 e executando um desligamento entre os pisos 3-6 e 8-13, partindo o edifício em dois segmentos, de modo a desmoronar-se sobre si mesmo.

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Cada uma das operações de demolição envolveu cerca de 300 elementos operacionais de diversas entidades. Cerca de 500 pessoas foram retiradas das torres vizinhas. Em cada implosão foram utilizados cerca de 150 kg de explosivos, distribuídos por 550 cargas explosivas aplicadas nos três primeiros pisos e no oitavo piso (torre 5) e sétimo piso (torre 4). Vinte e cinco quilos de explosivos foram distribuídos por dez piscinas de água (normalmente usadas por crianças) no exterior, com 5 m de diâmetro contendo 15 m3 de água (piscinas habitualmente usadas para recreio de crianças), dispostas em torno do edifício (os explosivos colocados no interior das piscinas seriam activados antes dos restantes explosivos, de modo a criar uma cortina de água para conter poeira e estilhaços resultantes das explosões). O perímetro de segurança foi delimitado com barreiras metálicas, e tinha cerca de 80 mil metros quadrados, supervisionado por Bombeiros, Polícia Municipal e PSP, incluindo todos os agentes da equipa de Intervenção Rápida da 2.ª Divisão da cidade do Porto.

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O acordo entre a CMP e o FEII definiu que a entidade investidora deveria construir ou reabilitar 300 fogos de habitação para realojamento dos moradores do Aleixo. A CMP indicou oito edifícios ou terrenos e o FEII lançou um concurso para seleccionar os projectos de arquitectura. Em 2011 o relatório de gestão do FEII listava oito projectos. Em 2012 o novo relatório listava apenas cinco e indicava que, no terceiro trimestre, decorreu uma consulta a construtores para a realização de apenas dois edifícios (Rua Mouzinho da Silveira e Rua das Musas). As empreitadas foram adjudicadas e, até ao momento, são as únicas obras em curso.

Contactada pelo J–A, a Domus Social explicou que houve atrasos e o realojamento foi feito noutras casas. Até Novembro de 2013, para além dos 128 fogos destruídos ficaram 81 fogos devolutos nas restantes torres. Dos 209 fogos desocupados, 160 famílias foram transferidas para diversos bairros de habitação social, e 49 não foram objecto de realojamento. Sobre a recuperação e rentabilização urbanística dos terrenos após a demolição do edificado, o relatório de gestão do FEII de 2012 indica que o projecto de arquitectura foi adjudicado aos arquitectos Barbosa & Guimarães e que em Julho de 2012 o activo do fundo integrou um novo terreno na foz do Douro para o qual existia um projecto da autoria do arquitecto Arnaldo Brito.