Na Austrália, nos últimos anos, o discurso político em torno das questões ambientais tem-se intensificado, contribuindo, particularmente, para aumentar o debate sobre o impacto do crescimento das cidades e da gestão urbana no meio ambiente e nos recursos energéticos do país. A maioria da energia eléctrica consumida no território australiano é gerada a partir de carvão mineral. Graças aos recursos minerais do país, é uma energia abundante e económica quando comparada com outras. Por outro lado, este método de produção energética é um dos mais poluentes no mercado das energias não renováveis, por gerar um nível elevado de emissões de carbono. Na transição para um futuro que se espera sustentável, o aumento do consumo de energias não renováveis continua a ser um dos grandes desafios da Austrália.
À medida que as cidades crescem, aumenta a procura de soluções energéticas. Este aumento põe sob pressão uma rede eléctrica datada e ineficiente do ponto de vista da distribuição. A Austrália tem ainda de superar problemas de transporte de energia entre centros urbanos que, ao contrário da Europa, distam entre si milhares de quilómetros. À dimensão continental do país acresce que o modelo de expansão económica e urbana é irregular e as diferenças geográficas e climáticas afectam o padrão de consumo energético (o território australiano abrange sete zonas climáticas distintas: deserto, clima temperado, tropical, subtropical, equatorial e pradaria). Em áreas com temperaturas extremas, a qualidade do ambiente interior depende em grande medida dos equipamentos de ar condicionado.
A maior parte da construção feita nas últimas décadas tem uma performance energética pobre. Esta realidade manifesta-se não só no edificado de pequena escala, mas também em edifícios de média e grande escala. Para dar resposta a este problema, o governo australiano tem vindo a regulamentar a performance enérgica nas novas construções, através da criação do índice BASIX (Building Sustainability Index) e do sistema de classificação NABERS (National Australian Built Environment Ratings System), ao mesmo tempo que tem criado incentivos a privados para a implementação de sistemas de produção de energias renováveis. Várias organizações não governamentais, como a BZE (Beyond Zero Emissions) ou a GBCA (Green Building Council of Australia), se têm associado a estes processos, promovendo o debate público e a criação de incentivos para a mudança do discurso na arquitectura e na indústria da construção.
Desde que se estabeleceu em 2002, o GBCA tem apoiado a “indústria de propriedade sustentável” e acompanhado a adopção de práticas de “construção verde” através da defesa e criação de incentivos de mercado (certificação Greenstar). O GBCA examina vários aspectos da arquitectura, como a gestão do projecto, a qualidade do ambiente interior, o consumo de água, os usos de materiais, sistemas de transporte, níveis de emissões, aspectos ecológicos e de inovação. Na última década foram certificados mais de 500 edifícios em território australiano, e o número de edifícios que aguardam certificação continua a aumentar. Este crescimento está associado a factores económicos, assim como a questões de imagem pública e a posições de liderança no mercado. Os primeiros indícios deste processo verificaram-se no projecto de edifícios de escritórios, dada a natureza competitiva deste sector do mercado imobiliário.
Tem aumentado consideravelmente o número de entidades que procuram um espaço que represente valores inovadores da cultura empresarial, sobretudo quando há vontade em associar o nome da organização a uma imagem de progresso tecnológico e ambiental. Esta tendência nota-se sobretudo em empresas imobiliárias de grande escala, que utilizam estes edifícios não só como espaços de trabalho mas também como “plataformas de promoção” da marca. Edifícios como o 30 The Bond, em Sydney, ou o pequeno edifício Pixel, em Melbourne, têm criado novos referenciais de excelência. A nova torre de escritórios no centro de Sydney, 8 Chifley Square, foi concebida tendo em consideração não só a performance ambiental mas, acima de tudo, a sua “postura social”, ou seja, oferecendo-se como um testemunho da influência da arquitectura no dia-a-dia dos trabalhadores, incentiva a colaboração no ambiente de trabalho e contribui indirectamente para o aumento da produtividade, criatividade e inovação.
De acordo com o WorldGBC’s Business Case for Green Building, de Abril de 2013, os níveis de aumento de produtividade em “edifícios verdes” variam entre os 10% e os 15%, e as taxas de retenção dos empregados, nomeadamente da geração mais nova, tendem a crescer. Verificou-se outra mudança significativa com o aumento do número de trabalhadores que correm ou utilizam a bicicleta a caminho do trabalho, práticas possíveis graças à existência de balneários e zonas de cacifos. O estudo também revela que são significativas as reduções de consumo de energia e água, bem como das operações de manutenção a longo prazo, e seus respectivos custos. A análise pós-ocupação do edifício da Câmara Municipal de Melbourne, a Council House 2 (o primeiro edifício de escritórios a receber 6 estrelas Green Star, a classificação máxima na Austrália), revela que os custos de manutenção foram reduzidos em cerca de dois milhões de dólares por ano. Dada a magnitude destes valores, o governo tem sido pressionado a comprometer-se com a realização de avaliações ambientais a todos os edifícios que lhe pertencem ou que esteja a desenvolver. É claro que uma decisão a este nível depende da colaboração dos vários níveis de governo (na Austrália existem o Governo Federal, Estadual e Local) e, dadas as divergências partidárias, o processo pode demorar anos até ser acordado. No entanto, têm-se verificado grandes mudanças na educação e na criação de incentivos do governo ao nível local, nomeadamente em cidades com taxas de crescimento e inflação elevadas. Por exemplo, a Câmara Municipal de Sydney foi a primeira entidade a comprometer-se com a meta “carbono zero”, através da redução gradual das suas emissões. Para atingir este objectivo, o município comprometeu-se a investir 12 milhões de dólares em energias renováveis ao longo dos próximos cinco anos, bem como no desenvolvimento de uma rede descentralizada de fornecimento de água para fins não potáveis e na aplicação de novas tecnologias na recolha de resíduos.
Ao longo dos últimos anos, os “edifícios verdes” têm sido responsáveis pelo desenvolvimento de uma indústria da construção mais inovadora, têm contribuído para o aumento do retorno sobre o investimento no valor de construção e, consequentemente, para o crescimento do número de organizações dispostas a investir na qualidade da construção, quer em edifícios novos quer em renovações. A prática da arquitectura tem tido um contributo significativo nesta transição, não só na adopção de soluções construtivas específicas, mas também na criação de espaços bem planeados e cativantes, capazes de incentivar os trabalhadores e de melhorar o seu bem-estar e produtividade.
Embora os sinais de mudança sejam prometedores, existem ainda grandes desafios urbanos. A maior parte do edificado existente está longe de cumprir níveis de performance mínimos, e, uma vez que o custo de implementação de medidas sustentáveis ultrapassa a possibilidade de muitos proprietários, há sectores em que a transformação tem sido mais lenta. Por outro lado, há “edifícios verdes” que se relacionam com as construções adjacentes para alcançar “economias ambientais”, como por exemplo o 8 Chifley Square, que recicla águas residuais dos seus vizinhos e as reutiliza no sistema mecânico de refrigeração do edifício. E há outros exemplos de simbiose urbana que estão a acontecer. Em Barangaroo South, os sistemas de energia, água, recolha de resíduos, transportes e outros estão a ser elaborados em paralelo, de tal modo que o excesso de “energia” num edifício possa ser utilizado por outro. Este género de intervenção normalmente extravasa os limites da propriedade e requer a coordenação de várias entidades (proprietários, investidores, governo, gestores de redes, etc.). Só com colaborações desta escala se poderão transformar os centros urbanos em “infra-estruturas verdes”, capazes de contribuir para a redução significativa das emissões de carbono.
Neste sentido, o desafio dos arquitectos perante o crescimento urbano e o impacto das cidades no meio ecológico transcende a escala do edifício e incorpora, cada vez mais, o diálogo interdisciplinar na procura de estratégias para um desenvolvimento sustentável. A noção de sustentabilidade manifesta-se para além do edificado – abrange aspectos urbanos, sociais, económicos e ecológicos, o que sublinha a importância dessa colaboração na definição de estratégias e meios para progredir em direcção a um ambiente mais produtivo, resiliente e saudável. Em suma, o futuro de uma Austrália sustentável depende não só do discurso político e da mudança legislativa em prol da sustentabilidade nos edifícios, comunidades e meios urbanos, mas sobretudo do envolvimento e colaboração entre diversas instituições públicas e privadas e grupos sociais, por forma a criar progressivamente cidades mais humanas, com um desempenho ecológico eficaz.
Este artigo foi publicado no J-A 249, Jan — Abr 2014, p. 334-337.
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