Waterfront, Colombo, Sri Lanka. Projecto de Balmond Studio com MVCC
O atelier MVCC, fundado por Mercês Vieira e Camilo Cortesão, ocupa por inteiro uma casa burguesa do Porto, uma construção típica do século XIX, a dois passos da Casa da Música. A equipa conta com aproximadamente 30 arquitectos e, desde há alguns anos, ocupa-se fundamentalmente de projectos internacionais como o Waterfront, uma obra para o Sri Lanka realizada em parceria com o Balmond Studio, o atelier londrino do celebrado engenheiro Cecil Balmond.
O projecto Waterfront é um conjunto que totalizará uma área de construção de 422 mil metros quadrados, composto por três torres de habitação e escritórios de forma paralelepipédica que complementam um corpo principal de silhueta ziguezagueante. Este corpo alberga um hotel de seis estrelas, do qual ressaltam dois volumes em balanço, onde se situam as zonas de uso comum, e um outro, com uma cobertura de formas ondulantes, na zona próxima do chão, que contém uma área de comércio. O conjunto assenta sobre um soco de seis pisos de estacionamento automóvel. O Waterfront, com conclusão prevista para 2018, será a nova estrela urbana de Colombo, a principal cidade da antiga Taprobana.
Como é que um pequeno atelier do Porto se organiza para dar resposta a uma encomenda desta envergadura? Que competências técnicas foi necessário reunir para, num contexto estranho ao “regionalismo crítico” e a outros apodos visando os arquitectos da cidade, responder com eficiência a desafios da arquitectura?
A dimensão da obra e a sua complexidade funcional exigem que o projecto seja dividido em partes distintas, passíveis de ser desenvolvidas por equipas autónomas. As principais definições do projecto de arquitectura – o chamado core and shell, ou seja, a estrutura de acessos e a forma geral do edifício – provêm do atelier de Londres. No Porto, gastam-se meses de trabalho a afinar soluções de projecto para problemas que, num edifício desta escala, atingem uma complexidade titânica, como a compatibilização de caixas de escadas com redes infraestruturais, sistematização da pormenorização, a integração da parafernália técnica em minuciosas plantas de tectos. Outro desafio coordenado pela equipa do Porto é o desenho e a decoração dos espaços interiores de uso comum, desde as áreas de circulação e átrios até às salas de conferências. Em Londres, as contribuições do Porto e de um terceiro atelier (responsável pelos interiores dos quartos de hotel) são posteriormente aferidas, fazendo-se ajustes na paleta de cores ou no guião dos materiais de revestimento.
O EFEITO CASA DA MÚSICA
Como é que um atelier do Porto tem acesso a uma encomenda internacional deste calibre? O arquitecto Camilo Cortesão responde que “o mundo é redondo”. O atelier já tinha feito prospecção de trabalho noutros países, como no Brasil, e, apesar da guerra, tem agora trabalhos em fase de construção no Iraque. Mas o caso do projecto Waterfront é distinto. Com a construção da Casa da Música, entre 1999 e 2005, os engenheiros Cecil Balmond e Adão da Fonseca, então em funções na Arup, em Londres, e na AFA, no Porto, estreitaram laços de trabalho. Ambos saíram das firmas que representavam na época e fundaram novos escritórios, Balmond Studio, em Londres, e ADF, no Porto, e tornou-se frequente o escritório do Porto coordenar os projectos de especialidades do atelier de Londres. A ponte Pedro e Inês, projectada no âmbito desta parceria para a cidade de Coimbra, integrava o Parque Verde da margem direita do Mondego, projecto da autoria de MVCC e que deu origem ao primeiro encontro entre as três equipas.
No contexto da concorrência internacional para projectos desta dimensão o Balmond Studio é um escritório pequeno. Perante a necessidade de garantir capacidade de resposta e por sugestão do engenheiro português, o atelier de Londres estabeleceu uma parceria com o MVCC para o desenvolvimento do projecto de arquitectura. Trata-se de uma extensão do escritório de Londres, e a proximidade entre as duas cidades europeias permite uma colaboração próxima intensa. De tal modo que, além de longas horas em comunicação via Skype, há constantemente arquitectos do Porto a viajar para o Sri Lanka, com responsabilidades relevantes na estrutura da equipa, e, em sentido contrário, é também no atelier MVCC que tem lugar grande parte das reuniões com os responsáveis da obra vindos deste país asiático. Apesar de o custo do trabalho ser menor no Porto do que em Londres, não se trata de um modelo sweatshop de exploração de mão-de-obra barata. Como nos confirma o arquitecto Camilo Cortesão, “o Cecil Balmond faz a arte e nós a arquitectura”.
“Fazer a arquitectura” de um projecto desta natureza não se compadece com algumas veleidades autorais que caracterizam grande parte da arquitectura portuguesa. Por outro lado, exige o domínio de um conjunto de ferramentas técnicas e processos de sistematização de informação capazes de resolver o quebra-cabeças do controlo de custos e da fluidez nas dinâmicas de revisão dos projectos de execução. A complexidade da obra exige uma prefiguração integral, ao mais ínfimo detalhe, para garantir a integração das muitas especialidades e autorias. A distância a que se encontra a obra e a diversidade cultural dos intervenientes no projecto (por exemplo, a necessidade de se introduzir um elevador para cavalos no acesso a uma das salas para casamentos), põe à prova os preconceitos dos arquitectos, oferecendo um contexto de desenvolvimento de ideias, possibilidades e estratégias que ultrapassa as circunstâncias locais da arquitectura. Ultrapassados os preconceitos e dominada a complexidade técnica, a arquitectura é arquitectura em todos os lugares, e as ferramentas de projecto não diferem substancialmente das praticadas em projectos locais.
Apesar de grande, comparado com os seus congéneres nacionais, o atelier MVCC é pequeno perante as oportunidades de trabalho que encara quotidianamente. Além do projecto para Colombo, estão já na calha outras parcerias com o Balmond Studio em projectos de envergadura equivalente. Essa dinâmica faz da casa burguesa na Avenida da Boavista um lugar estranho ao clima económico e deprimido do país. O bulício do escritório é comandado em grande parte por arquitectos seniores, com experiência profissional que adquiriram em colaboração com outros ou nos seus próprios escritórios, no tempo em que havia bastante trabalho para os arquitectos em Portugal. Esse é talvez o aspecto mais marcante desta obra, a capacidade de tirar partido do conhecimento e competência técnica dos arquitectos portugueses. Diz-nos Camilo Cortesão: “Se não fossem os mais novos, não estávamos nesta aventura.” Mas a aventura nem sempre é um mar de rosas, os tempos de espera em aeroportos e as viagens constantes dão sinal de uma prática desgastante, cuja retribuição nem sempre é evidente.
A obra está agora em curso, mas o que é certo é que os arquitectos do Porto estão a ser confrontados com novos desafios na sua prática profissional e, a pouco e pouco, a encontrar as competências intelectuais e a experiência técnica em encomendas de uma natureza muito diversa da escala de intervenção local.
Este texto foi publicado no J-A 252, Jan–Abr 2015, p. 570–573.
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WATERFRONT
Arquitectura
Balmond Studio
MVCC – Arquitectos
Especialidades
Adão da Fonseca – Engenheiros Consultores, Lda.
Data de Conclusão Prevista
2018
Área de Construção
422 000 m2
Valor de Obra
650 M$
PEQUENO MAPA DE QUANTIDADES
Área Bruta Total
420 400 m2
Valor de Obra Estimado
650 M$
Quartos
800
Apartamentos
430
Lugares de Estacionamento
2600
Elevadores
85
Escadas Rolantes
25
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