Kempinski Rafal Centre, Riade, Arábia Saudita.
Projecto de Promontório
A presença da arquitectura portuguesa além-fronteiras tem sido crescente, mas discreta. A construção da torre do Kempinski Rafal Centre, que arrancou este ano em Riade, é um sinal de que este padrão pode ser invertido. A visibilidade da operação, o volume construído e a assunção do desígnio global do projecto por um escritório português são marcos de uma forma de trabalho que ultrapassa a noção da exportação de arquitectura de autor. Esta obra em construção, a mais de cinco mil quilómetros de Lisboa, mostra que não é imprescindível ter de fazer as malas e partir definitivamente para se poder construir.
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A CRISE,
A INTERNACIONALIZAÇÃO E VICE-VERSA
O percurso do escritório Promontório, como o de muitos projectistas de arquitectura em Portugal, sofreu um forte abalo com a recente quebra do volume de encomendas. Após um processo de reinvenção e redefinição estratégica, centrado na procura de oportunidades de trabalho fora do país, o escritório atravessa agora um período de enorme vitalidade, “talvez melhor do que nunca”. Em Outubro começaram em Riade as obras do Kempinski Rafal Centre, um complexo que inclui uma torre residencial de 66 pisos com 215 metros de altura. Esta obra é apenas uma entre vários trabalhos para o estrangeiro que representam 92% do volume de facturação do escritório. Neste projecto para a capital da Arábia Saudita, o Promontório é coordenador principal (lead consultant), isso permite compreender quais os mecanismos, estruturas e meios mobilizados para a produção de arquitectura, “do Braço de Prata para o Mundo”. A actividade do escritório no estrangeiro tinha sido ensaiada no período pré-crise; a experiência acumulada em Portugal, sobretudo nas áreas do retalho e do turismo, permitira acompanhar a expansão da actividade de promotores portugueses pelo Leste da Europa, em África e no Brasil, incluindo uma experiência de extensão do escritório em Madrid. Como refere Paulo Martins Barata, um dos sócios do Promontório:
… apesar do esforço, esse ensaio não gerou resultados relevantes. Mais do que tudo, trouxe experiência e pretexto para sair, assumindo que tem de se começar por qualquer lado… Se quisermos ser honestos, em termos de facturação a nossa saída só resultou efectivamente a partir de 2009, 2010, já o Lehman Brothers estava enterrado.
O rumo que o escritório se viu forçado a seguir, com a diminuição do volume de encomenda e na sequência de ter de “emagrecer” mais de metade da sua força de trabalho (que era então de 80 pessoas), passou por explorar e conquistar novos mercados, como o Médio Oriente. Hoje, para além do “mundo lusófono”, o escritório já possui presença física no Qatar, e está em prospecção de trabalho para os Estados Unidos. Na perspectiva dos arquitectos que conduzem o escritório, se não tivesse sido feita a aposta em trabalhar fora de Portugal, certamente o Promontório teria deixado de existir.
Esta nova vida do escritório, que está a gerar uma expectativa de crescimento, motiva várias dúvidas importantes: será que a equipa de trabalho deve continuar maioritariamente concentrada em Lisboa? O escritório deverá procurar consolidar a sua presença em mercados onde já começa a ter resultados construídos, ou deverá procurar explorar novos? Até que distância será operativo trabalhar? Qual a vantagem da lusofonia neste processo? A título de exemplo, Martins Barata, sócio responsável pelas operações no Médio Oriente e Miami, tem questionado publicamente a vantagem da língua para trabalhar em países lusófonos; no entanto, João Luís Ferreira, que tem funções equivalentes para Moçambique, afirma que o trabalho no continente africano representa cerca de metade do actual volume de facturação. Enquanto os cinco sócios do Promontório pendulam entre Lisboa e vários países, a distância parece tornar-se o principal dilema: perante hipóteses de trabalho que se esboçaram na China e no Vietname, a necessidade de garantir uma presença cara-a-cara, confortável e continuada com os interlocutores locais, parece colocar esses lugares perigosamente fora do limite razoável de acção.
MIES ARÁBICO
O projecto para o Kempinski Rafal Centre foi seleccionado através de um concurso que teve lugar em Janeiro deste ano. Sabendo que estava em curso o processo de escolha da equipa projectista, então disputado por três ateliers internacionais, o Promontório pediu ao promotor da obra quatro semanas para apresentar uma proposta e entrar na corrida. O desenho da solução ganhadora teve de ser pragmático e eficaz. Uma das 24 pranchas apresentadas a concurso refere a filiação desta torre na tradição dos arranha-céus de Manhattan, concretamente as obras de Mies van der Rohe e Skidmore Owings & Merrill. A subtracção de pátios ajardinados ao volume da torre permite gerar aquilo que apelidaram como “arranha-céus-oásis”. A torre é um prisma de planta aproximadamente quadrada (33,5 m × 37,5 m) cuja monotonia contrasta com os padrões espalhafatosos das congéneres que se vêem por estas longitudes. A festa concentra-se no embasamento. Neste contexto cultural a atracção pela ostentação formal é uma realidade, mas, na hora do negócio, o pragmatismo dos números contrabalança a força da extravagância. A regularidade da planta permite optimizar recursos, quer pela repetição, quer por um rácio de 82% na relação entre circulações e áreas servidas (comercializáveis). Até a fantasia dos oásis suspensos se pode argumentar de um ponto de vista económico, porque a área subtraída permite subir substancialmente o valor dos apartamentos ajardinados. Numa inversão perversa, o bling bling fica reservado numa citação de Mies nos perfis de alumínio que riscam verticalmente a torre. Os avanços da tecnologia de vidro colado fazem desta solução técnica um atavismo, mas as dezenas de quilómetros em perfil de alumínio são afinal uma referência à necessidade de “mentir para dizer a verdade”, dando expressão formal à estrutura metálica da torre.
No outro volume construído, com sete pisos acima do embasamento, vão instalar-se espaços de escritórios. Entre o concurso e o arranque da construção, o projecto evoluiu de uma forma prismática de base rectangular para a extrusão de uma forma poligonal irregular, na extensão do desenho da base do conjunto. O embasamento, onde se instala uma galeria comercial aberta, ocupa toda a área do lote e organiza-se em dois pisos. O seu desenho, que regula a erosão do volume para criar um pátio virado para a King Fahd Road, é uma cobertura ajardinada de inspiração “burle-marxiana”, com varandas em vidro com vegetação digitalmente impressa, estruturas sombreadoras iluminadas de noite, lagos, cascatas e jogos de água. Para o escritório conquistar este projecto foi determinante a sua experiência precedente na concepção de grandes superfícies comerciais, seja nos aspectos de funcionamento, seja nos seus códigos visuais.
Ao contrário do Dubai ou Doha, que tiveram um crescimento rápido e verticalizado, Riade não é uma cidade nova. Uma das particularidades desta torre, que ilustra a sua condição singular, é o facto de um dos seus lados ser cego, por determinação do promotor. Nas imediações, as construções são muito mais baixas relativamente à futura torre. Não fosse esta imposição, e o novo edifício seria um verdadeiro miradouro sobre as casas existentes, ameaçando o recato da esfera doméstica, que é um valor particularmente caro numa sociedade islâmica.
O processo desenvolveu-se a uma velocidade frenética: desde a adjudicação do projecto, à abertura das fundações, decorreram apenas oito meses, e todo o projecto de arquitectua e design de interiores foi feito a partir do escritório de Lisboa.
TRABALHAR EM LISBOA
Para os padrões nacionais, a equipa do Promontório tem uma dimensão significativa, mas, mais do que a dimensão da força de trabalho, importa ter em conta a sua organização para ser capaz de fornecer um “serviço global de arquitectura”. A resposta ao concurso para o Kempinski Rafal Centre aponta duas pistas importantes: a massa crítica acumulada e o conhecimento das especificidades dos contextos para onde se projecta. Uma “solução global de arquitectura” compreende, além da arquitectura, a inclusão de paisagismo, design de interiores e design gráfico – funções (ou departamentos) que fazem parte da estrutura orgânica do escritório sediado em Lisboa. A lógica de produção de projecto num contexto internacional tem vindo a forçar a separação entre o que entendemos como projecto de arquitectura e o design de interiores. O exemplo da hotelaria é paradigmático porque, regra geral, obedece a códigos e standards internacionais, mas está longe de ser uma excepção. No momento da encomenda do projecto, é recorrente a separação entre “estrutura e fachada” (core and shell) e espaços interiores, uma separação que também se aplica com frequência ao projecto de paisagismo. A especialização de equipas no interior do escritório é uma forma de assegurar mais oportunidades de trabalho e de conseguir controlar a unidade das soluções de projecto.
Para conseguir trabalhar a partir de Lisboa, à capacidade de resposta (número de colaboradores) e especialização em áreas-chave (no caso, o retail e a hotelaria), há que acrescentar uma capacidade financeira substancial. O custo de pendular entre Lisboa e outros países distantes é pesado (em “números redondos”, significa para o escritório cerca de 20 mil euros mensais), as rendas dos escritórios são elevadas e a remuneração de um funcionário instalado na Arábia Saudita, por exemplo, é cerca de 2,5 vezes superior. Ou seja, a montante da competência na qualidade da resposta projectual há outros factores determinantes para um escritório ser capaz de competir no mercado tão almejado da encomenda internacional.
‘PORTUGUESE DO IT BETTER’
Sobretudo em Portugal, acredita-se que os arquitectos portugueses têm, em geral, uma qualidade acima da média em termos de rigor, capacidade de resposta e domínio da técnica e cultura arquitectónicas. As estratégias de apoio à exportação da arquitectura levadas a cabo por organismos oficiais têm-se centrado na promoção da arquitectura portuguesa enquanto produto cultural. Mas são raros os contextos em que a arquitectura é tomada como um produto cultural, sendo óbvio que o universo da construção é cruel na hora de seleccionar os seus prestadores de serviços. Aparentemente há duas vias para ter acesso à encomenda em mercados internacionais, que não são estanques nem mutuamente exclusivas: vender “arquitectura de autor” ou vender “serviços de arquitectura”. Numa derivação desta segunda via, alguns escritórios portugueses – precisamente pela sua qualidade e competência – já se têm afirmado enquanto back offices para empresas estrangeiras de maior dimensão. No entanto, a concorrência com os chamados sweatshops (imagine-se um barracão situado em nenhures com pessoas indiferenciadas a operar computadores ligados à Internet) é agressiva. Internacionalmente, os mercados não são reguláveis, o que impossibilita saber quais as formas mais eficazes para aceder à exportação de serviços de arquitectura. Capacidade de organização e capacidade financeira são fundamentais para trabalhar de forma sustentada além-fronteiras, mas é fundamental preparar o caminho começando pelos mecanismos de angariação de trabalho. As portas onde bater, quem indica, correspondem a relações muitas vezes insondáveis e intransmissíveis, que demoram tempo a conquistar e que só se mantêm estáveis e profícuas à conta de provas continuadas de competência.
Este texto foi publicado no J-A 251, Set — Dez 2014, p. 450 – 461.
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KEMPINSKI RAFAL TOWER
Localização
King Fahd Road, Riade, Arábia Saudita
Datas
Concurso: Janeiro de 2014; Construção: Dezembro de 2014 / Agosto 2017
Cliente
Rafal (Muhaidib Group)
Programa
Torre residencial, escritórios e praça commercial
Área de Construção
86 000 m2 acima
do solo
Custo Total da Obra
396,6 milhões SAR (aproximadamente 83 milhões euros)
Arquitectura e Coordenação
Promontório
Licenciamento
Imar Urban Consultants
Especialidades
Design de Interiores: Promontório
Projecto Gráfico e Sinalética: Promontório
Paisagismo: Promontório
Design de Iluminação: Paula Rainha (Portugal)
Consultor de Custos: Escala Digital (Portugal)
Projecto de Estruturas: Serhal Consulting Office (Líbano)
Equipamentos Eléctricos e Mecânicos: Aurora (Líbano)
Fachadas e Manutenção: GEG (Alemanha)
Incêndios e Segurança: GEG (Alemanha)
Fiscalização: Aljazzar
Honorários para Arquitectura e Design de Interiores (sem acompanhamento de obra): 6 milhões SAR (aproximadamente 1 milhão e 254 mil euros)
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