EDITORIAL
Combate e táctica A arquitectura está refém da sua suposta inutilidade. À falta de investimento na construção, as competências próprias da disciplina são tidas como dispensáveis. A urgência do quotidiano mobiliza recursos noutras direcções, e os arquitectos são instados a mudar de profissão ou a emigrar. Esta lógica é equívoca: a arquitectura não é apenas um saber instrumental à mercê das flutuações do mercado; a arquitectura é uma forma de conhecimento útil nas mais variadas circunstâncias. Só que a falta de encomenda, depois de anos de excesso da mesma, deixa a profissão num impasse que a fragiliza. Será que os arquitectos só servem para desenhar edifícios ou para coordenar planos de urbanização? Perante o impasse social que habitamos, outros saberes fazem valer melhor as suas competências: o marketing ou o design, por exemplo, incutem nos objectos do seu trabalho pretensas mais-valias, obtidas a partir de um investimento moderado. A concorrência, que não vem do campo irmão da engenharia, gera fricções e alternativas à prática profissional, as quais, apesar de serem capazes de extravasar os actos próprios da profissão, se alimentam do conhecimento disciplinar da arquitectura. A convivência e a partilha são úteis, mas têm gerado alguma confusão. Porque há uma tendência voraz para a especialização, têm também provocado alguns extremismos inúteis. Um dos perigos que hoje espreitam a cultura arquitectónica é, precisamente, o afastamento de dois pólos: um profissional, outro alternativo. Tal afastamento reflecte-se numa profissão surda à produção de conhecimento, o qual se expande por diferentes áreas de actuação e origina, por outro lado, formas de descoberta e investigação em arquitectura desinteressadas do quotidiano da prática construtiva. O desafio é encontrar pontos de contacto entre estes universos e gerar práticas críticas e analíticas capazes de atravessar fronteiras que, na nossa opinião, tendem a tornar-se cada vez mais estanques. Talvez assim a arquitectura possa reencontrar uma posição social de relevo e contribuir para a sua reinvenção necessária e urgente. Para estabelecer a ponte entre as diferentes formas de conhecimento e o exercício profissional é necessário entrar num território de combate. Os artigos deste número do J–A dão conta desse território. Perante a falta de encomenda, não é difícil, para mentes treinadas na transformação do mundo físico, compreender o alcance social destas transformações. A mobilização das populações, em processos participativos ou reivindicativos é um mecanismo eficaz para dar uso e forma ao saber arquitectónico. Essa prática, como tem sido levada a cabo em muitos contextos, tem trazido resultados positivos e recompensadores, quer na satisfação profissional dos arquitectos, quer na melhoria efectiva das condições de vida de muitas populações. Como se inicia essa prática? Ao contrário da fórmula mágica e cada vez mais complexa do arquitecto enquanto autor, são cada vez mais frequentes e competentes os mecanismos de acção colectiva, em que se convocam diferentes aspectos de saberes disciplinares para actuar com acutilância. Isso faz-se valorizando as competências próprias de cada indivíduo, e não um eventual padrão corporativo da profissão. Muitas vezes, o difícil é preservar nessas estratégias de acção alguns valores clássicos da arquitectura, nomeadamente o rigor de composição formal ou o controlo tecnológico dos sistemas de construção. E se os arquitectos prescindem da base estruturante do seu saber, correm o risco de se dissolver noutros campos profissionais, ou numa lógica de mercado que já não os contempla. Um segundo aspecto deste combate é o marasmo institucional em que estamos atolados. As formas convencionais da prática da arquitectura confrontam-se com instituições incapazes – por ingenuidade, megalomania, negligência ou pura incompetência – de actuar com eficácia e perseverança, adequando os projectos às suas condições de execução. Num momento em que escasseia o dinheiro disponível, a adequação é fundamental. Se por um lado devemos exigir a renovação da cultura institucional, por outro lado também existem soluções e tácticas de projecto capazes de responder com singeleza e eficácia às condições de escassez com que somos confrontados. No plano de uma prática convencional do projecto, esta adequação é cada vez mais urgente, sobretudo quando o confronto com uma realidade construtiva cruel e com recursos limitados já tornou perceptível que os esforços de desenho e de exuberância formal ou tecnológica estão condenados ao fracasso. A Direcção do J–A
Este texto foi publicado no J-A 247, Mai — Ago 2013. |