OLHÒ ROBÔ
A mecanização a tomar o comando Com os nossos projectos e a nossa pesquisa pretendemos demonstrar que o robô pode funcionar como um catalisador para dar significado cultural à arquitectura digital. O robô caracteriza uma mudança seminal nas condições de produção da arquitectura. Ele coloca a arquitectura digital num diálogo próximo e criativo com a realidade. Assim, o robô pode ter um papel decisivo, pois através dele a digitalização da arquitectura torna-se física e tangível. The Robotic Touch é um livro organizado por Fabio Gramazio, Matthias Kohler e Jan Willmann, que documenta a actividade da cátedra de Arquitectura e Fabricação Digital do Departamento de Arquitectura do Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique (ETH). O livro apresenta de forma sistemática as experiências conduzidas neste laboratório entre 2005 e 2013. É um compêndio volumoso, uma demonstração musculada de recursos quase ilimitados postos ao serviço da investigação sobre potenciais utilizações da computação no campo da arquitectura. O robô é a charneira entre os domínios digitais da primeira e o terreno analógico da segunda. A figura do robô, inscrita no nosso imaginário pela ficção científica e pelo cinema, surge então como um ciclope obediente, comandado com precisão e diligência para executar todo um conjunto de operações que transcendem a capacidade humana. Não é, propriamente, uma novidade, tendo em conta o protagonismo dos robôs em diversos tipos de linhas de montagem. Por exemplo, na indústria automóvel a sua presença é esmagadora. Mas, na indústria da construção é mais difícil imaginar a sua eficiência operativa. A entropia do estaleiro de obra cria uma resistência natural a máquinas desse porte, for a do ambiente controlado da fábrica. The Robotic Touch argumenta no sentido contrário, procurando fixar o estado da arte do seu “admirável mundo novo”. O robô estabelece uma base digital exaustiva para a construção, que, desde o início da industrialização dos processos construtivos, foi mais imaginada que realizada. Muito além de estar a par com a tecnologia, o robô provoca mudanças fundamentais na disciplina: a relação recíproca da realidade digital do computador com a realidade física da arquitectura. Por oposição às experiências extravagantes dos primeiros passos da digitalização, o foco já não está na forma nem no virtual. Em vez disso, está na expansão física da disciplina. O livro, amplamente ilustrado, está organizado por ordem cronológica e dividido em cinco secções. Cada uma delas começa com um ensaio, ao qual se segue o registo visual de vários “exercícios” de possíveis aplicações dos robôs no campo da construção. Os ensaios – “Crescimento da materialidade digital”, “O robô”, “Uma nova física da construção”, “Código, linguagem, design” e “A matéria da realidade” – são redigidos numa linguagem muito própria, entre a gíria tecnológica e uma convicção marcial, constituindo um manifesto de um novo futurismo. Sem dúvidas, sem hesitações, robótico. A estranheza do seu vocabulário para os leitores leigos na matéria causa simultaneamente rejeição e fascínio. Esta ambivalência também se faz sentir na descrição de cada experiência construtiva auxiliada por robôs – a título de exemplo: “Moldes de rede”, “Construções aéreas”, “Fundição dinâmica e inteligente”, “Agregação de detritos”, “Agregações metálicas robóticas”, “Deposição remota de material”, “Desenho de arranha-céus com fabricação robótica”. A maioria destas operações causa espanto pela incrível complexidade espacial e material dos resultados atingidos, com um grau de determinismo absoluto. Mas a ausência do arbitrário, do imponderável, confere algo de contranatura a estas experiências, que, por isso, tomam muitas vezes uma aparência que as aproxima do grotesco. É a estranha beleza de um futuro que vem rumo a nós, onde os andróides sonham com carneiros eléctricos. Pela mesma ordem de ideias, o principal instrumento de trabalho deste laboratório – o robô R-O-B – surge como uma espécie de quimera ou, porventura, um trolha Terminator. É tentador considerar a introdução de robôs na arquitectura como uma reformulação dos esforços modernistas de transformar o campo da produção arquitectónica numa indústria totalmente automatizada e racionalizada. Esta conclusão, porém, fica aquém do processo em curso de um desenvolvimento integral da totalidade da prática da arquitectura: a unificação do desenho e da produção que – em conjunto com processos digitais – abre oportunidades inteiramente novas para a materialização arquitectónica. Deste modo, o robô reformula a noção arquitectónica de processos mecânicos e põe em questão separações previamente claras entre desenho e construção, informação e mecânica e tecnologia e cultura construtiva. A palavra “robô” vem do checo robota, que significa “trabalho pesado”. Em 1921, o dramaturgo Karel Capek escreveu uma peça de teatro – R.U.R. (Robôs Universais Rossum) – onde cunhava o termo com o sentido que hoje temos dele. Na peça, um batalhão de autómatos era posto ao serviço da usura humana, até à inevitável revolta das máquinas que tudo destroem. Esta caixa de Pandora é um tema recorrente na idade moderna, e nos seus avanços tecnológicos. Quando a mecanização toma o comando há uma cascata de consequências, tantas vezes de grande magnitude. A obsolescência da mão-de-obra humana e suas implicações sociais são a mais premente. No campo da construção, oneroso em termos de tempo e trabalho, existem já potenciais fricções com a introdução de processos automatizados. Por exemplo, a prototipagem computorizada pode vir a descartar a necessidade de grandes equipas para tarefas de cantaria, serralharia ou carpintaria. O mesmo se aplica a materiais sintéticos, como os polímeros, e ao seu manuseamento. No laboratório de fabricação digital conduzido por Fabio Gramazio e Matthias em Zurique, a maior parte das operações levadas a cabo pelos robôs resulta na materialização de algoritmos e outras funções sob a forma de estruturas construídas em tijolo, madeira, acrílico ou metal. E o que resulta daqui? Para já, painéis e pavilhões de aplicabilidade duvidosa para as exigências reais da construção de grande escala. No seu excesso de computação, de energia e dinheiro gastos, o desempenho parece paradoxalmente baixo. O estranho bestiário que produz também não aparenta vir a constituir um novo paradigma estético tão cedo. The Robotic Touch pode ser lido como uma arqueologia do futuro, como se fosse um romance de Júlio Verne. Do nosso lado, no presente e em paragens mais precárias onde a talocha ainda manda, não podemos deixar de olhar para tudo isto com alguma distância. Como foi escrito num editorial anterior do J–A, “por mais que a miragem do novo fascine mundos e fundos, convém lembrar que este país muitas vezes não tem dinheiro nem cultura para garantir uma fossa séptica”. Este texto foi publicado no J-A 250, Mai — Ago 2014, p. 412 – 413. |
THE ROBOTIC TOUCH. |