Editorial
É preciso encontrar a medida certa das coisas. Quando os arquitectos fazem projectos, estão a decidir os termos físicos e funcionais de uma determinada realidade. Caso esta seja executada, importa ter decidido bem. É certo e sabido que, em primeiro lugar, os arquitectos configuram programas e ambições que os precedem, fazem parte de uma cadeia de transformação e produção do ambiente construído. Por isso, não faz sentido imputar-lhes responsabilidades que, enquanto técnicos e prestadores de serviços, não têm. Por outro lado, ao assumirem a coordenação técnica na construção de obras que transformam a paisagem num determinado sentido, estão a ocupar uma posição social de relevo e passam a legitimar processos, quer a montante, quer a jusante da sua própria actuação. Os artigos deste J–A ilustram o debate contemporâneo sobre o papel do arquitecto na sociedade: desde a renúncia da arquitectura até à sua exploração mediática, do falhanço da especulação imobiliária ao êxito de certas iniciativas públicas e privadas. Em todos os casos, o cliente e o sistema de relações que os arquitectos estabelecem com a encomenda determinam o seu grau de responsabilidade. E esse grau, ou os riscos que se correm nesse compromisso, determinam as formas das arquitecturas. Uma grande obra, capaz de infra-estruturar um território, é uma forma concreta de inteligência e capacidade. Por outro lado, o projecto que mal passou da gaveta por ingerência ou ingenuidade encontra a sua forma no vazio que deixa atrás de si. É o que cabe dizer olhando para um mapa do território alentejano onde se plasma um sem-fim de operações imobiliárias de grande escala, subscritas por arquitectos de renome. Sabe-se que essa subscrição não foi propriamente “participativa”. Servindo interesses privados, a leste das populações circundantes, modelos urbanos e financeiros antecederam a actuação dos arquitectos. Por isso, a falência da maioria destas operações não resultou da maior ou menor competência dos projectos, mas sim da incapacidade dos promotores em cumprir os planos. Neste caso, os arquitectos foram empregados como garantia de excelência, para contribuírem com as suas qualidades “artísticas” e “técnicas”. Adoçaram operações de marketing, em busca de avultados financiamentos europeus. Também se sabe que, no momento da falência, os arquitectos foram os primeiros a não ser pagos. Mais intrigante que a cobertura arquitectónica a um modelo turístico que se sabe ser predatório é a incapacidade de os agentes de planeamento fazerem face ao conluio entre os interesses económicos e o poder político. Em ambos os casos é fundamental descobrir um ponto de equilíbrio para o exercício da profissão e, naturalmente, para o exercício da cidadania. Neste J–A apontamos alguns sinais desse equilíbrio, pela positiva. Assim acontece com a requalificação do extenso conjunto residencial de Vila d’Este, em Vila Nova de Gaia. E também com o Percurso Pedonal Assistido de Montemor-o-Velho. O sucesso destas operações começa num diagnóstico pragmático dos problemas a resolver. Sem quixotismos nem pompa, os respectivos projectos encontraram uma medida do possível com um objectivo muito concreto. Trata-se de organizar recursos através do espaço e da construção, com vista a criar melhores condições de vida. Este princípio de realidade é fundamental e não deve ser dado como garantido. Perder o norte, correndo atrás de ambições irrealistas ou alimentando manias provincianas de grandezas, continua a acontecer com frequência. Um bom exemplo da tendência para esse desequilíbrio é a abstracção crítica que paira em torno das capacidades tecnológicas que temos – ou que não temos – para acompanhar certos desenvolvimentos. As tecnologias digitais ao serviço da arquitectura estão divididas, grosso modo, em três frentes: a manipulação de sistemas paramétricos geradores de forma; a robotização dos processos construtivos e os sistemas de controlo de fabricação; e, finalmente, a gestão do projecto e da manutenção e utilização dos edifícios. Perante tantas frentes de trabalho, o que fazer com o digital num país como Portugal? Por mais que a miragem do novo fascine mundos e fundos, convém lembrar que este país muitas vezes não tem dinheiro nem cultura para garantir uma fossa séptica. Soa estranho clamar por equilíbrio num lugar cheio destas assimetrias, num momento em que tudo parece ruir. Por isso mesmo, a arquitectura carece de bom senso para ser partilhada. Talvez o desequilíbrio anteceda o projecto, ou a sua prática, mas temos de estar seguros do que fazemos para enfrentar as ondas desta “maré-alta”. A direcção do J–A
Este texto foi publicado no J-A 248, Set — Dez 2013. |